quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Carta de posicionamento da ENEV sobre o PL 2824/2008

Carta de posicionamento da Executiva Nacional dos
Estudantes de Veterinária sobre o Projeto de Lei 2824/2008

O PL 2824/2008 apresentado pelo Deputado Zequinha Marinho propõe a revogação da alínea “c” do art. 2º da Lei nº 5.550, de 4 de dezembro de 1968, para vedar o exercício das atividades relativas a produção e manejo dos animais aos Agrônomos e Veterinários. Durante o 28º Encontro Nacional dos Estudantes de Veterinária realizado na cidade de Botucatu-SP representantes de veterinária de todo o país chegaram a consenso acerca do PL anteriormente citado.
A atuação de várias profissões dentro do meio rural brasileiro sempre foi objetivo muito estudado e apontado o quanto poderia servir ao desenvolvimento do setor primário no Brasil. Considerando dentro do campo da agropecuária, o conjunto de técnicas para a otimização da produção animal e vegetal muitas vezes foram interpostas à interesses da lógica de mercado, causando conflitos, e gerando impactos positivos e negativos. Por isso, ressalte-se a importância do profissional formado com qualidade e maturidade para entender a complexidade de fatores que implicam na atividade do meio produtivo. Durante todo esse período, veterinários, zootecnistas e agrônomos trabalharam em conjunto na atividade da zootecnia como produção animal, levando a avanços substanciais na produção animal. Hoje o país continua a bater recordes de produção e exportação de carne, tendo desenvolvido substancialmente a agropecuária no país.
No ano de 1968 foi criada a Lei nº 5.550, de 4 de dezembro para atender a demanda de mercado da época por profissionais qualificados para trabalhar especificamente na produção animal, atendendo a lógica de mercado guiada pelo investimento substancial na produção em larga escala, houve um aumento de especialidades dentro de vários campos do conhecimento. Para as ciências agrárias, como a Medicina Veterinária e Agronomia não foram diferentes, e a parte da formação que primava pela produção animal resultou em um novo curso superior, a Zootecnia. Ao longo do tempo, estas profissões cresceram atuando lado a lado no mesmo setor. Com o passar dos anos a demanda por profissionais não é mais a mesma da época, já que a produção animal, na forma de latifúndio como é praticada, necessita de cada vez menos profissionais e a abertura de novos cursos de nível superior continua a crescer exponencialmente como o próprio Deputado Zequinha Marinho reconhece em sua justificativa:

“devido ao expressivo número de zootecnistas formados em mais de sessenta faculdades que oferecem o curso em todo o Brasil.”

Também verificamos a clara justificativa de reserva de mercado de trabalho quando vemos o parecer do relator na comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, o Deputado Nazareno Fonteles afirmar:

“(a) Desde o ano de 1970, até o presente, formaram-se mais de vinte mil zootecnistas, no Brasil.
(b) Atualmente, há no Brasil cerca de cem cursos de Zootecnia (bacharelado ou tecnológicos) reconhecidos ou autorizados; quatro cursos encontram-se inativos; o número de estudantes é estimado em cerca de 18.000.
(c) Prevê-se que, a partir de 2010, formar-se-ão anualmente cerca de cinco mil zootecnistas, em nosso País.”

Além disso, verificamos o aumento de cursos superiores também na veterinária. No final da década de 80 existiam 33 cursos de veterinária no país, hoje temos mais de 160! Nos Estados Unidos, país de dimensão continental e também com vocação agropecuária, o número de escolas de veterinária não passa de 30. Infelizmente a opção que o país fez é de entregar a educação superior à quantidade, deixando de lado as reais demandas da sociedade e a qualidade dos cursos. Nem por isso acreditamos que seja necessário criar leis de reserva de mercado e sim que haja uma reformulação na política do MEC que entrega diplomas de nível superior sem preocupação com os futuros profissionais. Além de mudar a política latifundiária concentradora do país.
O PL prevê a reformulação das malhas curriculares dos cursos de veterinária e agronomia estipulando um prazo de 10 anos para os mesmos retirarem os conteúdos da zootecnia da graduação. Como a Lei de Diretrizes de Base (LDB) da formação do Médico Veterinário afirma, temos de ter uma formação profissional generalista. Caso o PL seja aprovado vai de encontro ao que diz a LDB. O que não conseguimos assimilar é como o veterinário poderá compreender as enfermidades, o bem-estar e características animais se não será ministrado o conteúdo zootécnico durante nossa graduação. Ao corrigir certa enfermidade em um animal e for necessário um manejo zootécnico especial para o animal o veterinário não saberá informar ao produtor? Também isso não será mais abordado em sua graduação? Em que momentos a veterinária se separa totalmente da zootecnia? Essas são perguntas que a resposta é óbvia até para quem não conhece profundamente as áreas em questão. Não é possível separar a medicina veterinária da zootecnia!
A ENEV pauta a defesa da formação do Médico Veterinário generalista, capaz de intervir e relacionar-se com outros profissionais no desenvolvimento de projetos envolvendo a saúde humana e animal. A defesa de que nossa formação inclusive deva considerar com maior vigor outros aspectos correlatos à Epidemiologia, Saúde Pública, Sanidade Animal, Bem-Estar Animal, Ciências Sociais, Agroecologia, dentre outros, mostram a necessidade de que o meio produtivo não deve ser tratado apenas como mais uma via passível de intervenções técnicas e transferência de pacotes tecnológicos, e sim considerar todos os fatores que precedem ou que sejam conseqüências da produção animal. Por isso ressaltamos a indissociabilidade da zootecnia na formação do Médico Veterinário.
Durante audiência pública realizada em Brasília deu-se ênfase no debate aos setores corporativos das profissões. Ficando de fora importantes representantes do ensino como professores, Ministério da Educação e estudantes. O erro histórico de muitas profissões, na tentativa de se consolidar sob espectros corporativos, é a de negar a atuação profissional de um grupo em detrimento de outro sob argumentos classistas e, muitas vezes, duvidosos. Tomamos posição pelo arquivamento do PL 2824/2008 e propomos a construção de um novo modelo de produção agropecuário que promova a utilização dos recursos naturais de modo sustentável, a agricultura familiar e agroecologia. Além de uma reformulação no sistema educacional do país onde as reais demandas de mercado da sociedade sejam atendidas e que não fiquemos reféns de “momentos do mercado”, lógica essa que se mostrou totalmente irracional com o aparecimento da recente crise econômica. Propomos a construção deste processo de forma conjunta entre médicos veterinários, agrônomos, zootecnistas e todos os setores da sociedade.



Botucatu, 19 de julho de 2009
Executiva Nacional dos Estudantes de Veterinária




Referências utilizadas no texto:

1 texto completo da Lei 5550/1968 disponível em:
http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=118549
2 texto completo do PL 2824/2008 disponível em:
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/538136.pdf
3 http://www.camara.gov.br/sileg/integras/662173.pdf

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